sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Paragens

Acordo e quando me olho ao espelho não me reconheço. Os meus olhos enchem-se sempre de raios de sangue; não sei se pelo cansaço da tua ausência, se pelas noites que passo a chorar. Quando me deito e a minha mente se preenche de pensamentos, de momentos, de ideias e objectivos e o sono não chega, a minha atenção vira-se para o Mundo lá fora. O vento que bate no vidro, a velocidade dos automóveis, tão semelhante àquela que me conduz todos os pensamentos… confusos, discordantes, desordenados, discrepantes. Também ouço o comboio a alta velocidade e dou comigo a pensar nas pessoas que seguem em cada carruagem. As linhas de ferro presas ao chão… A minha própria vida presa a fotografias de parede, a encontros marcados na agenda, a músicas que lhe servem de banda sonora. O comboio tem um rumo. Será que a vida das pessoas que nele seguem também tem? Saberão elas para onde vão? Terão elas objectivos traçados e paralelos a alguém, tal como as linhas paralelas presas ao chão no qual segue o comboio onde vão? Será que sabem que penso nelas enquanto o sono não vem? Para onde é que irão? Será que fogem de algo ou que, ao sair da carruagem, vão abraçar alguém que amam mas com quem não estão há muito tempo?
Outro comboio… Mais umas centenas de pessoas e de vidas. Mais umas centenas de destinos. O destino de cada pessoa preso agora a umas linhas de ferro, também elas presas ao chão. Linhas presas nas palmas das mãos que ditam os caminhos que podemos seguir. Adormeço, por fim, concentrada em linhas. Será que eu também sigo a linha certa? Ou ter-me-ei enganado e agora o meu comboio afasta-se do meu destino? Acordo, quase sempre certa de que o caminho é o correcto e quando a minha viagem acabar estás lá tu, de braços abertos para mim, de sorriso no rosto e com os olhos em lágrimas, cheios de raios de sangue. Estás, porém, na paragem errada. Eu passei por ti e não te vi; corro de braços abertos, de sorriso no rosto e lágrimas nos olhos em direcção a outro alguém. Alguém que também estava no meu caminho e me ensinou que, durante uma viagem, o comboio pára em muitos sítios.
280808

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Eu não

Adormeci com a almofada molhada de tanto chorar. Adormeci exausta e sem força para continuar. Perdi a força, até mesmo para continuar a chorar por ti. Às vezes penso que é inútil deambular pelas ruas, pelo Mundo, pela vida, por sentir a falta de alguém. Uns vão porque o relógio por cima das suas cabeças lhes dita que é hora de começar uma nova vida, longe (ou perto) daqui; outros fazem-no sem aparente explicação. Vão porque lhes apetece, porque não se sentem felizes ou até mesmo por uma qualquer espécie de egoísmo e desrespeito. Cortam diálogos, olhares… cortam amores e vidas. Cortam o Mundo à sua volta ou cortam mesmo o Mundo de alguém. Tu foste porque alguém decidiu que tinhas de ir, que o relógio em cima da tua cabeça marcava a hora exacta para começares de novo. Nunca entendi muito bem este tipo de coisas mas também nunca o tentei fazer de uma forma mais séria. Sinceramente acho que não quero.
Deixei que a raiva se apoderasse de mim durante a última temporada. Diurna, nocturna, crescente, calma, ponderada, forte, incessante. Por mais irracional que eu seja, por mais objectivos que tenha, por mais sucesso que queira, tu não me deixaste continuar a ser quem era e transformaste-me. Amo mais, sinto mais, dou mais valor, sorrio mais e sinto mais raiva. Achei que só me tinhas trazido coisas boas e se calhar acertei. Já escrevi umas centenas de livros na minha mente. Deixei o final de cada um deles em aberto para que fosses tu a escrevê-lo.
O Mundo olha-te, admira-te. O Mundo não te conhece mas eu conheço. O Mundo passa por ti, mas não gira à tua volta embora seja isso que tu tanto ambicionas. O Mundo fala-te, sorri-te, ama-te erradamente (ou talvez tu julgues que ele te ame). Eu não te olho, não te admiro, não te falo, não te sorrio e não te Amo. Mas Amo-me e é assim que está certo.